sábado, 26 de dezembro de 2009

Natal

Durante dois terços do mês as pessoas correram como abelhas de uma colméia em ebulição. Azafamaram-se em torno do grande dia, buscaram enfeites, presentes, componentes para a ceia, roupas, sapatos, jóias... Pouquissimos pararam para refletir , para montar a festa no seu inteiror e enfim é Natal!

Chegado o dia, casas prontas, roupas prontas , presentes nas árvores e crianças ansiosas...Ceia servida, presentes entregues, um festival de papéis rasgados...Crianças sonolentas, adultos cansados, pratos sujos e o que restou do Natal? A esperança de que o próximo ano seja melhor, que Papai Noel seja mais generoso, que possamos passar a ceia a bordo de um transatlantico???

O Natal tem que existir primeiro dentro de você do seu coração...Lembro da minha infancia e de minha avó. Em sua casa não havia tradição de ceia, havia, sim, um jantar melhor a meia-noite, mas era algo infinitamente diferente do que hoje se chama ceia. Eu costumava ir para a casa da irmã mais velha do meu pai, passavamos lá o começo da noite, até a missa.

Minha tia morava na cidade, minha avó na fazenda, então íamos para a cidade e eu brincava feliz na roda gigante, nos barcos puxados por cordas grossas, nas ruas da pequena cidade. Depois subia a rua e me sentava com um monte de primos na calçada da igreja para assistir a missa de Natal a qual nenhum de nós prestava muita atenção, mas assistiamos piamente e desciamos a ladeira com a sensação de dever cumprido. Na casa de minha tia se estourava um champanhe, se abria alguma bebida, sempre inacessivel a nós, crianças, e se jantava...

Diga-se de passagem que minha tia cozinhava muito bem! E suas sobremesas? Eram verdadeiras iguarias do olimpo, manjar dos deuses. Eu voltava para a fazenda dormindo, cansada, feliz e acordava sobressaltada sem a certeza absoluta que Papai Noel houvesse passado por la, mas sempre encontrava uma profusão de brinquedos, um mundo de sonhos e minha avó ali, a perguntar ingenuamente o que ganhei, a compartilhar minha felicidade de criança, a dar-me aquele alimento indispensável a alma: amor!

Nos Natais de hoje é tudo tão diferente e já adulta ainda sinto saudades da casa de minha avó acordando cedo para descobrir os presentes, da casa de minha tia e suas comidas, das missas na calçada da igreja...Sinto saudades dos meus Natais que já não existem mais!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Ciclo da Vida


Ao nascer, perdemos o aconchego, a segurança e a proteção do útero. Estamos, a partir de então, por nossa conta. Sozinhos. Começamos a vida em perda e nela continuamos. Paradoxalmente, no momento em que perdemos algo, outras possibilidades nos surgem. Ao perdermos o aconchego do útero, ganhamos os braços do mundo. Ele nos acolhe, nos encanta e nos assusta, nos eleva e nos destrói. E continuamos a perder. E seguimos a ganhar. Perdemos primeiro a inocência da infância. A confiança absoluta na mão que segura nossa mão, a coragem de andar na bicicleta sem rodinhas por que alguém ao nosso lado nos assegura que não nos deixará cair. E, ao perdê-la, adquirimos a capacidade de questionar. Por que? Perguntamos a todos e de tudo. Abrimos portas para um novo mundo e fechamos janelas, irremediavelmente deixadas para trás. Estamos crescendo. Vamos perdendo aos poucos alguns direitos e conquistando outros. Perdemos o direito de poder chorar bem alto, aos gritos mesmo, quando algo nos é tomado contra a vontade. Perdemos o direito de dizer absolutamente tudo que nos passa pela cabeça sem medo de causar melindres.... E aprendemos. E vamos adolescendo e ganhamos o mundo. Neste ponto, vivemos em grande conflito. O mundo todo nos parece inadequado aos nossos sonhos. Ah, os sonhos!!! Ganhamos muitos sonhos. Sonhamos dormindo, sonhamos acordados, sonhamos o tempo todo. Aí, de repente, caímos na real! Estamos amadurecendo, todos nos admiram.Tornamo-nos equilibrados, contidos, ponderados. Perdemos a espontaneidade. Passamos a utilizar o raciocínio e a razão acima de tudo. Mas, não é justamente essa a condição que nos coloca acima dos outros animais? E continuamos amadurecendo ganhamos um diploma, um emprego, um carro, um companheiro. E desgraçadamente perdemos o direito de gargalhar, de andar descalço, tomar banho de chuva, lamber os dedos na frente dos outros... Mas, perdemos peso!!! Já não pulamos mais no pescoço de quem amamos e tascamos-lhe aquele beijo estalado, mas apertamos as mãos de todos, ganhamos novos amigos, ganhamos reconhecimento, honrarias, títulos honorários e assim, vamos ganhando tempo... enquanto envelhecemos. De repente, percebemos que ganhamos algumas rugas, algumas dores nas costas (ou nas pernas),... ganhamos celulite, estrias. E perdemos cabelos. Nos damos conta que perdemos também o brilho no olhar, esquecemos os nossos sonhos, deixamos de sorrir. Perdemos a esperança. Estamos envelhecendo. Não podemos deixar pra fazer algo quando estivermos morrendo. Afinal, quem nos garante que haverá mesmo um renascer? Exceto aquele que se faz em vida? Que a gente cresça e não envelheça simplesmente. Que tenhamos dores nas costas e alguém que as massageie. Que tenhamos rugas e boas lembranças. Que tenhamos juízo, mas mantenhamos o bom humor e um pouco de ousadia. Que sejamos racionais, mas lutemos por nossos sonhos. E, principalmente, que não digamos apenas eu te amo, mas ajamos de modo que aqueles a quem amamos, sintam-se amados mais do que saibam-se amados. Afinal, o que é o tempo?
É nascer, crescer, adolescer, amadurecer, envelhecer, morrer.
Até pode ser contado como fases que passam, períodos de tantos sentimentos e atividades.
Mas na verdade, o tempo não conta... pois ele não é nada em relação à vida...
Pois a vida muda de fases como a lua, mas não acaba...
Só nos transforma em seres melhores, completos, maiores...

Autor Desconhecido

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Pssss, silêncio!


Psssss, silêncio. Será que ele é tão aterrador assim? Será que ele assusta tanto? Não pode ser. Sabe o que eu acho? Que você não sabe ouvir o silêncio e todos os recados que ele trás. Pena. Do silêncio que eu gosto, você tem pavor. No silêncio que eu vivo, ouço a mais bela música que toca no meio de tantos pensamentos que gritam, em silêncio. Você não o ouve ? Mas é nele que me refugio. É nele que ouço o meu burburinho que me sai das entranhas como um grito que ninguém ouve. Nem quero que ouçam, pois que são meus e poderiam não ser entendidos. Você deve ter os seus. Ouça-os. Ou não. Sem problemas.
Ah, o silêncio. Mercadoria rara e cara, digna dos grandes reis e meros mortais. Á beira do fogo que consegue ser audível a poucos, o silêncio se torna o único e perfeito amigo. Ninguém mais. Ninguém seria parceria para ouvir o tal silêncio que tudo diz e pouco revela de si mesmo, em uma grande busca pela revelação de algo que nem sei mesmo se vou encontrar, ou se quero isso. O que importa? O silêncio me dará as respostas mesmo assim. Tanto faz se elas me farão sangrar. Nada mais importa a não ser o que ouvirei do silêncio que você não gosta, que me é caro e que tudo me mostra. Muitas verdades, outras mentiras que eu juro serem verdades por que assim você me contou. Não. Ele não mente pra mim. O silêncio me mostra e eu me encarrego de acreditar em todas as verdades ou em algumas mentiras que eu, quero acreditar, são verdades. Mentira. Minto para mim mesma. Não importa. “Acredito” nelas, pelo menos deixo você pensar assim. São mentiras daquelas que me fazem bem, mas que sei que me custarão caro. O silêncio de agora não me deixa fugir, nem de mim mesma. Ele pode ser tudo aquilo que eu esperava, mas também pode ser brutal, corrosivo, e está sendo. Não me poupará, porque grita de dentro de mim, enquanto só ouço os barulhos, que nem entendo deste mundo aqui fora, da algazarra dos carros, das crianças, mas não estou nele, apenas o observo e escapo deles. Impossível fugir, embora tente. Tristeza. Deixo-me vagar pelo meu silêncio que raramente encontro. Pelos céus, quanto custa um silêncio ? Por que ele é tão escasso? Grito para saber onde o encontro.
Sons, ah, os sons, poderia ouvir Mendelsonn, Bach e ouviria o silêncio límpido desses quase mantras que me extraem dessa modorra que é a falta de silêncio. Você ouve o silêncio? Enxerga a ausência dos sons estridentes? Seu ponto “G” ? Onde fica ? O meu ? Fica no ouvido. Sim, ele é capaz de me seduzir com uma intensidade tal que parece ser até o mais profano dos desejos. Quem? Ele, o silêncio. Profano e ao mesmo tempo divino. Para mim o é. Para você, não?
Sua busca é cansativa, mas recompensadora. Ele é meu. Nem sei se pode ser partilhado com você. Talvez apenas comigo mesma, pois que acho que quase ninguém o valoriza tanto assim.
Como uma jóia rara, buscadas nas entranhas das terras antigas e longínquas em incansável busca da qual não poupo esforços para obtê-la. E eis que descubro o meu tesouro. Puro, com um brilho único, jóia nunca imaginada e nem forjada pelos melhores ourives russos e nem suíços. Jamais fariam tal beleza, pois que não existe imaginação, criatividade tamanha para que me apresentem tal jóia.
E então? Onde o encontrarei? No silêncio, que é meu, único, indevassável, personalíssimo.
Infelizmente, acho que não posso partilhá-lo com ninguém, uma vez que não ouviriam o meu silêncio. Lástima. Ficarei com a sensação que sou um ser estranho. E o que isso importa? Mas você deve ter o seu silêncio. Antes, psssss, faça silêncio, ou você não poderá ouvir o que ele diz.

Lívia, dez, 2008

sábado, 17 de outubro de 2009

Ser um Ser Humano


De todas as coisas que se passam no mundo, para mim, a única incompreensível é a natureza do ser humano. Pode? Eu sendo um ser humano, isso deve significar que minha natureza não é acessível ao meu próprio entendimento. Bem... quem precisa se conhecer, não é mesmo? Que graça teria saber de antemão que reação teríamos frente à determinada atitude do outro? Pois é. Aí é que reside a incompreensão. Como saber, entender o porquê do outro assumir atitudes meio estranhas para os nossos parâmetros de comportamento e da forma de ver e sentir as coisas? Muito complicado. Não sei se quero brincar disso.
Acho mesmo que o grande mistério, a grande graça nessa brincadeira de viver é o estar sempre procurando esse “entender a vida”. Boa piada, rsrs. Meio difícil, mas algo que parece, todos correm para obter. E como não fazê-lo? Isso é intrínseco do ser um ser humano, com todas as suas dúvidas, questionamentos e incompreensões a respeito disso, ou daquilo. Nada detém a fome de entender as coisas e o que mais transtorna um ser humano é o não entender o porquê de certos acontecimentos. É frustrante não ter uma explicação para o que se nos acontece, sempre. Os mais emocionais diriam: “isso é bobagem, as coisas são assim e pronto. Não tem graça uma vida toda explicadinha”. Os mais racionais, por sua vez, sentenciariam do alto de sua “sabedoria”: “é necessário a compreensão dos acontecimentos e comportamentos para um bom viver, um viver mais seguro e tranqüilo”. Nossa! Isso pode acabar com a surpresa diária do ser humano, que nunca sabe com o quê vai encontrar nessa vivência e muito menos ainda com que tipos de comportamentos terão de lidar (comportamentos alheios, é claro). Sim, porque lidar com o comportamento próprio é uma sucessão de incógnitas diárias. Sempre somos alvos de “eventos surpresas” em nossa jornada. Talvez exatamente aí, nos eventos surpresas, sobre os quais não temos quase nenhum controle, é que resida a graça de viver o ser ser humano.
Vamos lá, encaremos a verdade suprema: NUNCA nos entenderemos sempre. Ao mesmo tempo que tentamos “controlar” o mundo à nossa volta, sempre existe o fator surpresa das pessoas ou acontecimentos que nos envolvem. Ser um ser humano é divino, é um espetáculo à parte nessa terra que tanto nos dá e que nos tira também.
Paremos com essa busca frenética e alucinada de tentar entender o que é viver a vida de um ser humano de forma tão acadêmica. Tentemos algo. Quem sabe, sentar à beira do mar, junto àquele riacho cristalino da nossa infância e nos entregarmos a mais deliciosa das atividades do ser um ser humano: vamos tentar ENTENDER, sem estresse, o que é ser um ser humano com todas as incompreensões que só os humanos são capazes de ter em relação a si e aos outros.

Livia

sábado, 3 de outubro de 2009

Crepúsculo


Estranho quando somos assaltados por uma notícia do desaparecimento de alguém a quem temos qualquer tipo de afeto que, quanto mais intenso, mais dolorido é o despreendimento.
Os dias, o tempo longe de casa, do que acontece, e sem que se possa fazer nada parece um infindável crepúsculo, nebuloso, interminável para o nosso desejo de estar com os que amamos e dizer "até mais" para quem nunca mais veremos, não em terra.
Podemos estar trabalhando do outro lado do país, não incomunicáveis, mas com a certeza de que nem sempre os nossos nos dirão o que de fato acontece onde eles estão.
Comandando equipe de trabalho onde nenhuma estratégia planejada deveria sair fora do programa, tudo correndo perfeitamente em harmonia e sincronizadamente. Perfeito. Trabalho excelente. Missão cumprida.
Chegava a hora do retorno, mas algo havia de estranho e não era palpável, não era tangível ao meu parco conhecimento dos acontecimentos que se desenrolavam longe, apenas uma sensação incompreensível de que algo, em casa, estava totalmente fora do planejado e nada mais era possível saber, mesmo com telefonemas, tudo era estranho e perigosamente calmo, tranquilo demais. Mas a sensação angustiante estava lá. A turma grita: "vamos passear na praia, a noite está uma delícia. Venha !" Convite recusado. Existia algo no ar e nem um resquício do que pudesse ser a notícia que, tinha-se certeza, não seria nada boa.
Havia algo a ser descoberto, a ser dito por aqueles que queriam, e nem sabiam se pudiam, interromper o trabalho e ter você de volta. Não quiseram avisar, não sabiam se seria possível voltar. Esperaram, angustiadamente.
Atravessado o "continente" Brasil, chegamos na terra santa, a que nos recebe de braços abertos mas com os olhos marejados. "O que será que acontece ?". Nada, dirão, não até a manhã seguinte. Que seja. O cansaço era brutal e já não era mais possivel conectar as ideias. Aguardemos.
Na manhã seguinte a notícia que, sabia eu, não queria ter. Não havia tempo para lágrimas, nem desespero. Ali começava a perder a capacidade de sentir. Havia, racionalmente planejadas, atitudes e decisões a serem tomadas. Os sentimentos foram guardados para depois (sabe-se lá quando). Iniciar um processo de idas, vindas e incógnitas. Nada animador, nada que devesse ser encarado como esperança de um retorno vitorioso. E assim foi, tudo racionalmente planejado, apesar de tudo ter saído da forma indevida, pelo menos para os meus desejos e dos meus, dos que me aguardavam com notícias animadoras que nunca vieram.
Fomos todos vencidos, derrotados. Tudo foi uma grande e frustrante corrida aérea e terrestre para um desfecho inevitável, terrível. Ali, no retorno da última viagem, parei de sentir muito e tanto. Recolhi a palheta das cores com as quais pintava minhas telas. Nem mais céus, mares, nem noites. Apenas a lembrança, essa sim, colorida, querida.
Somente um lamento: nao ter dito, muitas vezes, eu amo você.
Ao demais, aguardar o retorno das cores e de notícias mais alegres e coloridas, rsrsrsrs que virão, mesmo que discretas.

Saudações a vc, à sua vida e a dos seus, sempre.

Livia

A Paz do seu Sorriso


Recolhida, no meu próprio silêncio, observo a noite e seus murmúrios.
A lua prateada nos céus, as diáfanas nuvens que a envolvem e desvelam, sucessivamente, os carros que passam em direções diversas, a vida que pulsa de diversas formas ainda a esta hora e sempre!

Meus olhos buscam a linha do horizonte, confundem-se com a copa das árvores enquanto minha mente salta até seu rosto e se pergunta o que fará agora: lerá um bom livro, periódico ou verá televisão? Ouvirá, como eu, o sussurro da noite escondida entre caixas de tintas, pequenas asas de aeromodelos, passos de crianças, reuniões de família?

Quase nada sei de sua rotina, de sua vida, do que faz ou gosta de fazer. Nossos mundos interceptam-se em fugazes, intensos, momentos. Eternidades que duram minutos, segundos cheios de brilho incandescente capazes de alimentar a alma até que se possam repetir.
Então me lembro do seu rosto sorridente, dos seus olhos brilhantes, das suas mãos firmes, tão decididas ao volante quanto num delicado carinho. Penso no seu abraço protetor e suave e nas vezes que ouvi tons de tristeza maculando a beleza cristalina da sua voz...

Há muito tempo sei dos seus gracejos, como sei do seu tom de comando. Da sua bondade e da sua justiça, da sua parcial imparcialidade, características que a cada dia, mais e mais, me fazem admirar você e seu rosto me surge diante dos olhos, emoldurado pelas palmas de minhas mãos e o menino que caçava onças está ali, atrás das suas retinas.
Quem seria capaz de entender a alegria que se instala no meu peito ao observar-lhe assim? Ao ver-lhe sorridente menino cujo time de futebol conquistou o campeonato?

Quem entenderia a alegria que me enche o peito ao ver seu sorriso escondido nos seus olhos, seu corpo largado, cansado e feliz, e a gargalhada contida que escorrega pelo canto dos seus lábios?
Nada além de um instante e mal lhe percebo ali, querendo saltar exuberante, já você novamente se reveste estendendo o braço conciliador, protetor e num sorriso me aconchegando e seus olhos fechados, seu rosto em perfeita harmonia me transportam a uma sensação de suavidade e ternura que nunca antes experimentei.

É nestas horas que entendo o que seja a paz que todos almejamos e pouquíssimos temos a possibilidade de encontrar ou desfrutar por minutos que seja.
Nestes momentos entendo que a paz pode estar contida num sorriso, num abraço, nos olhos fechados ou num rosto sereno.
A paz, para mim, reside num rosto de homem que sorri pelos olhos!

Thamar

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Insopitável


Muitas imagens me chegam à mente, dançam como labaredas de uma fogueira ardente, misturam-se como as cores de uma palheta louca.

O corpo esguio, pelo ângulo observado, a aparência túrgida dos músculos a flor da pele, os cabelos suaves, levemente desalinhados e o cheiro da pele capaz de resistir a qualquer banho ou perfume.

Assalta-me a lembrança do filme perfume de mulher – mais uma seqüência de imagens – e asseguro a mim mesma que deveria ser feito um filme chamado perfume de homem. Eu indicaria você para ser o principal personagem. Perfume de homem ou a sinfonia de uma sedução.

Perco-me pelos cheiros, pelas imagens, por tudo que representa o prazer sensorial da sua presença, por tudo que significa o prazer surreal, sutil e emocional de estar em tão bela companhia e uma ânsia crescente e quase insana surge em mim.

Queria beijar-te a boca nesse exato momento. Beijar-te sofregamente até perder os sentidos, evadindo-me da consciência da realidade para existir apenas e tão somente na sensação crescente de ser possuída pela sua boca, explorada pelas suas mãos, arrebatada por esse redemoinho que se apossa dos corpos no fogo da paixão.

A insanidade cresce e toma conta de mim. Fecho os olhos tentando afugentar o que me vem de mais forte: a imagem do teu corpo sobre o meu! Belíssimo espécime de homem a beijar-me o corpo como se fora rosa visitada por um faminto beija-flor.

O desejo cresce em ondas vertiginosas lembrando-me apropriada crônica lida ainda mais cedo. Insopitável é a palavra que se amoldaria perfeitamente pelo exótico que tem , pela propriedade do sentido, pela incoerência que dela exala.

Um insopitável desejo de aconchegar-me entre os teus braços entregando-te toda a feminilidade que há em mim, abrindo-te todas as entranhas, intimidades, porções de mim mesma para, sendo tua, pertencer cada vez mais a mim...

Estendo as mãos sem alcançar-te e que não estais aqui eu já sabia. Nada custa tentar o jogo do faz de conta que, como tantas e tantas vezes já instastes para que o fizesse. Não adiante, quero a ti, aqui ! Quero tuas mãos a medir a dimensão das minhas profundezas, os teus dedos a queimar-me a pele e a tua boca – ah, a tua boca tem um beijo indefinível – a arrebatar-me a consciência lançando-me numa espiral de puro prazer...

Auto-Retrato Por Outra Pessoa





Repentinamente eis-me aqui com uma tarefa difícil de ser executada. Logo eu que não temo as letras, que as considero amigas dedicadas sempre prontas a exprimirem meu pensamento, vejo-as em greve.

Na verdade não foram as letras que se puseram em greve, mas as idéias que se recusam a ordenar-se de tal forma a ficar compreensível o que quero dizer. Como definir o indefinível? Como falar do que se sente, mas não se vê?

Meu processo cognitivo tem problemas com tudo que não seja tangível, palpável, transformável em imagens. Com tudo aquilo que se sente sem poder plasmar em imagem e sentimentos, sensações, empatias não se prestam a esse devaneio.

Tenho uma amiga querida, dessas de longas confidências ao pé da lareira, garrafas e garrafas de vinho, noites de cumplicidade virtual daquelas que só velhos amigos sabem entender. Muitas vezes completamos as frases uma da outra, sem pensar, sem querer e nos despedimos com o mesmo e simultâneo: “Dê-me licença que o sono chegou!”... As gargalhadas são certas, as coincidências também, mas não a posso definir por mais que me tenha pedido.

Intimou-me, a moça, a escrever uma lauda onde a definisse, e tudo isso a propósito de um mimo que lhe fiz, uma figurinha – sim, destas mesmas de álbuns que agora são virtuais e chamamos de blogs – com a qual presenteei um excelente texto de sua lavra...Foi peremptória: se me acha parecida com essa figurinha, então me defina!

Ora, como posso definir algo que so posso sentir? Como se define uma mulher? Quem o sabe fazer? Mulheres são seres fugidios, multicor, multifacetados, organismos não identificados no amplo espectro do mundo!

Não, infelizmente não lhe posso atender, querida amiga. Não lhe posso definir, muito embora possa enumerar intermináveis características suas – desde as meias de cores díspares entre si até ser uma excelente e devotada mãe – porque você não é definível, mensurável, espectrável.

Uma única definição lhe caberia: Você é você e é minha amiga!


quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Brincando no Paraiso


Os meninos de Deus brincam no jardim do pai. Tomam banho de mangueira e espirram água uns nos outros. A espuma da banheira sobe e toma conta, enquanto os meninos se lambuzam com a espuma, espalham-na pelo corpo como morangos envoltos em macio chantili.

Com gotas de orvalho fazem colares de alegria que usam no pescoço enquanto descem pelos escorregas do arco-íris e a gargalhada sonora das crianças em sua brincadeira assemelha-se a música celestial.

Os anjos param para ouvir e se ajuntam a espiar as criaturas de Deus em sua lúdica e amorosa atividade. A risada cristalina, os rostos de quem jamais perdeu o paraíso, encanta os anjos que param o tempo para melhor contemplar os meninos de Deus.

A tua elegância, meu menino, faz-me elegante como a tua beleza é, em si mesmo, o maior adorno que posso usar sobre mim, dizem os meninos um aos outros, ouvem os anjos...

Meninos de Deus tão ocupados na faina das horas, entretém-se entusiasmadamente, numa entrega tão total que as palavras se retiram sem saber exprimir o que vêem.

E nesse momento em que o teu sorriso é laço de fita a atar-me os cabelos em tranças, és só meu, fugazmente meu, menino de Deus a brincar nos jardins do pai!



quinta-feira, 20 de agosto de 2009

DES ESPERAR


DES ESPERAR


Não, o título não está mal escrito. Criei um novo significado para a palavra desesperar. Para mim, ela será deixar de (des) esperar. Des esperar. Sim, assim mesmo grafada.
E o que vou deixar de esperar ? Você. Cansei. Desisti. Passou. Passei. Vou acreditar que você realmente não vai voltar e vou aproveitar e ir também. Para onde ? Ainda não sei, muito menos se quero saber, agora, para onde e para quem vou. Talvez não mais para nenhum lugar, nem tampouco voltar para você. Talvez apenas esperar algo que não sei se virá.
Chega de desesperar de verdade. Nunca fui de desesperar e não será com a sua fuga que o farei. Afinal, não passei de um troféu que, uma vez conquistado, foi deixado na estante junto aos outros. Você não virá mesmo e nem eu irei ao seu encontro. Agora vou des esperar. Vou conviver com a tranqüilidade do estar só, em paz e sem me preocupar se você vai desaparecer novamente. Vou deixar de esperar.
Vou ir à praia, ver o mar, talvez molhe meus pés em suas águas convidativas e mornas. Quem sabe não encontro você por lá. Mas, aviso, é provável que eu fuja de você. E sabe por quê ? Porque agora aprendi a des esperar. Deixei de esperar. Passou. Você passou. Eu passei.
E, com licença, pois que me dirijo ao mar. Lá eu me acho.


Lívia

Ago/2009

sábado, 15 de agosto de 2009

PARABÉNS PRA VOCÊ



Uma lembrança ...




Parabéns pra você, cara ! Nunca pensei em dizer para aqueles que eu gosto por demais que sentiria a sua falta se eles fossem embora para não mais voltar. Nunca achei que isso seria necessário e importante. Pois um dia foi. E eu não havia dito, infelizmente. Mas eu partilhei muitos desses momentos contigo, e não foram poucos. E hoje, esses momentos não passam de muitas e felizes lembranças. Exemplo delas ? O churrasco do final de semana. Você era insuperável, nem papai batia o seu churrasco, e olha que os outros manos tentam, mas o seu, bah... insuperável. rsrsrsrs. Ah, e o chimarrão antes do almoço, onde a gente colocava a conversa em dia ? As boas e tristes conversas. Quantas vezes lágrimas suas e minhas ? Quantos passeios com a térmica no seu ou no meu abraço. E eu nunca disse o quanto você me faria falta. Nunca achei que precisaria, porque nunca imaginei que você iria e eu estaria ali, só eu, para te acompanhar naquelas estranhas e longínquas viagens.
Dias antes, eu sentia que alguém iria, mas juro, nunca pensei que fosse você. Ok. Você foi. Tudo bem, fiquei muito triste, mais brava ainda, mas você não era um cara triste. Era meu parceirão, daqueles que me convidava para fazer um “racha” entre seu buggy e minha XL250, claro que eu sempre ganhava, rsrsrsrs, moto sempre é mais ágil que carro, ainda mais aquele buggy feio, azul, da cor do seu Grêmio.
Muito amigos ficamos, a ponto de disputar a mesma namorada, lembra ? Ganhei de novo, rsrsrs. E quando nos encontrávamos no estacionamento do prédio delas, saindo para trabalhar pela manhã ? Apenas um aceno, a risada presa naquele momento para mais tarde, na hora do mate, rir muito do episódio. Era muito legal.
Por um acaso, em algum momento da sua vida você pensou que não faria falta para alguém ? Nossa. Como você pensou errado, guri. Faz falta todos os dias, em todos os churrascos, em qualquer brincadeira, e elas desapareceram quase todas. O patriarca do nosso clã, parece que foi um pouco com você, e eu já não vejo mais nele aquela alegria de sempre, a pegação no seu pé em função das muitas namoradas. Sim, você era o cara até nisso. Lembro que uma vez, quando você foi me apresentar a última delas, me disse: “Lídia, essa é Simone, minha namorada”. Tchê, nem eu acreditei que eu, atrapalhadíssima e acostumada a falar sem muito pensar, tivesse dito “Outra ?” kkkkkkkkk. Por pouco você não pulou no meu pescoço, e eu, mais do que sem graça, emendei: “desculpe a brincadeira!”. Esse assunto rendeu um monte de risadas com ela.
Ah, o por quê do parabéns ? Dia dos Pais, guri. E você fez uma falta. Nem teve churrasco, rsrsrs. Nem comemoramos mais essas coisas. Perdeu a graça. Você era o motor dessas comemorações. Acabaram. Foi melhor. Assim não lembro que eu não disse o quanto você era importante, o quanto você faz falta, mesmo que você achasse que não faria.
Tudo bem, seu gremista perdedor, rsrsrs. O meu colorado segue melhor que o teu tricolor; os churrascos nunca mais foram os mesmos, eu nunca mais dei um fora tão engraçado com a nova namorada, mas ganhei o racha com a minha moto e a namorada que você queria (mas você já tinha a sua, seu metido, rsrsrs). Mas perdi você, a maior de todas as minhas derrotas. Paciência. Adiante, assim como você foi. Te acho. Até lá, parabéns pelo dia dos Pais e acredite, sim, VOCÊ SEMPRE FARÁ FALTA, assim como eu farei , sei lá pra quem, mas farei, rsrsrsr


Lívia

Ago/2009

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Horizonte


Meninas, esta é a visão do meu horizonte, onde trabalho, onde medito, onde me encontro de muitas maneiras.


Interessante como momentos como este, sentada aqui, sentindo o vento forte, observando e sentindo o mar, lembro de você, de repente.
Você, sempre tão intenso, apaixonado, preenchendo minha mente perdida, devaneando em meio a sonhos loucos, lembranças quentes.
Lembra que, de repente, tomavamos conta um do outro e continuávamos tão juntos e tão fora da realidade, como agora quando olho o infinito... assim éramos nós.
Juntos por uma paixão e separados por milhões de eternidades.
Ainda assim, não consegui fazê-lo sair de mim, incrustado aqui, dentro do meu peito. Mas a culpa é minha! Meu coração foi deixando você ficar, se instalar.
Não sei mais como é seu rosto, mas ainda sinto o gosto dos seus beijos, tenho seus carinhos ainda tatuados por todo meu corpo.
Seu vulto fica lá longe, misturado com a tênue linha do amanhã.
Quem sabe um dia serei capaz de estar contigo por mais um instante.
Rasgar o tempo e unir oceano e céu como fazíamos, só pra ter sua boca doce e bonita, sorrindo e colada na minha.

Elaine / Nov, 1981

domingo, 9 de agosto de 2009

Coragem


Coragem
Você viu ? Consegui. Reuni um amontoado de pontinhos corajosos e os coloquei aqui. Onde quem quiser poderá ler. E emitir sua opinião, ou não. Mas mais coragem ainda foi preciso para escrever. Não, escolher o que seria colocado aqui. Os outros rabiscos ? Foram atirados nas entranhas da alma que sangra, especialmente à noite e onde ninguém pode ver, ler. Eu mesma rasguei o que parecia nunca mais se abriria, nem mesmo para mim, que espreitava lá dentro e bem pouco enxergava. Pois abriu-se aquela que parecia se esconder dela mesma e eu pude vislumbrar o que ela (eu) escondia. Se gostei ? Não sei. Visito-a esporadicamente, com medo de que ela, de tanto ser vista, me fuja novamente, me leve sua cores e me deixe somente ver suas dores.Ela seria implacável sim. Não me deixaria ver o que ela tem de mais belo. Por que? Porque faz parte de mim, mesmo à noite. E ela me foge. Tem vezes que nem encontro com ela e fico somente a divagar: "por onde andará a minha alma ? " E ela segue imperturbável, um caminho que parece ser só dela. Mas é meu também. Mas não adianta. Ela é sua própria dona, e apesar de ser minha, de fazer parte de toda a minha essência, ela me oculta o que deveria partilhar sempre comigo. Permito que assim seja. Pois se assim não o fizesse, ela me levaria à insanidade, de tanto que alça seus vôos quase inatingíveis ao meu próprio pensar. Deixo-a. Livre. Assim como me sinto.Uma liberdade vigiada, de mim mesma. Mas eis que ela (a minha alma) veio me ver, novamente, e sem que eu a esperasse. Mostrou-me, no meio daquela noite cujas estrelas se mostraram mais belas, e frias também, sua figura, incógnita até então. E ali ficamos, anos, a nos ver, partilhar os prazeres e tudo o mais que chega junto com as cores dos amores.Sua pele tão alva, seus cabelos negros, longos, como que laços a me prender, terna e firmemente, em uma prisão da qual nunca desejei fugir. Pois quem fugiu foi você. Levou um pedaço daquela que era, ela sim, toda minha. Mas ela voltará, afinal, é minha. Enquanto isso, espero, pois sei que ela virá novamente a me trazer mais cores, mais amores.

Lívia

Dez (não lembro) de qlq ano, mas gosto mto dele.

Queria se...


Queria saber fazer tudo certo, pra fazer só contigo
e poder ser perfeita pra você estar só comigo.
Não sei se faço certo ou errado, só sei que você me inspira o tudo, e faço, de qualquer maneira.
E, mesmo imperfeita, é nas suas mãos que me transformo, é no seu corpo que mergulho.

Queria ter o dom de parar o tempo pra eternizar você em mim e ser única pra você nunca ter que ir embora.
Sei que é ilusão querer que o tempo pare e também sei que o prazer contigo é inédito, surpreendente.
E, mesmo sabendo ser mais uma, não me importo, pois comigo você é único, intenso, simplesmente indefinido.

Queria reter toda a beleza do mundo só pra você
e enfeitar todos seus dias com nuâncias divinas.
Mas isso também é utopia.
Afinal, o que seria da luz se não fosse a sombra para ressaltá-la?
Não me importo.
Enquanto o amor for vendado e existir apenas no sentimento,
cada dia vivido será um verdadeiro presente,
desembrulharei você, em todas as suas formas
e te abraçarei, como grandes laços de fita!


Queria se... fosse assim!

Elaine / Mai 08

sábado, 8 de agosto de 2009

Saí de Você


Saí de você como quem sai de mim mesma, para sobreviver. Cansei, esgotaram-se as justificativas, exauriram-se as forças e a vontade de tentar entender porque você se usa de artifícios tão torpes e mesquinhos. É cansativa essa busca insana por uma verdade que você nunca me dirá, e que pretende que eu acredite.

Esqueça. Sou muito mais do que aceitar inverdades insuspeitas, mentiras quase infantis que tentam fazer com que eu me sinta algo que não sou e que nunca serei. Brinque, então, para que eu dê uma sonora gargalhada e não revele a você o porquê dela. Assim, finjo que acredito e você fica pensando que me convenceu da sua mentira.

Mas um lembrete: vou aceitar esse jogo, mover minhas peças de xadrez e, quando chegar o momento oportuno, vou encurralar você e nada mais ficará encoberto pelo véu do desconhecido. Não haverá rota de fuga, não haverá verdade alguma que me leve de volta até você. Darei o meu xeque mate e nova partida (minha) recomecará.

Perderei você, sim, mas ganharei a mim mesma, restituída de toda uma cor que você levou consigo. Quanto tempo isso levará ? Não me importa o tempo. Tenho a certeza que sairei incólume, com todas as feridas fechadas e apenas com uma lembrança de que você passou por mim, que foram ótimas coisas passadas em conjunto e que novos rumos se apresentarão em um futuro incerto, como incerto é qualquer tipo de relação.

O que espero de uma nova relação ? Mais nada. Apenas a beleza do caminhar à beira da praia e maravilhar-me com as as dunas que saem da terra como alguém a recepcionar os que por ali pisam, que por ali buscam achar a si próprios. Quem sabe nessa busca não acho a mim, não acho você ?

Lívia
Mar/08

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Recordações


Mais dificil que lutar por um amor
é deistir dele...


Abro a porta e uma parte de minha vida desce a escada. Na esperança de retê-la, desço também, mas tudo que me é permitido é chegar até ao pátio das recordações.

Olho você sumir na curva da estrada, com a mesma indefinida velocidade com que sumiu do meu caminho e volto sobre meus próprios passos, como um dia voltei sobre minha vida e reexaminei os caminhos tomados.

As lembranças borbulham insistentes como se fossem miríades de borboletas saindo do casulo... Esparramam-se sobre a cama, confundem-se com seu lençol favorito, brincam com meus olhos.

É noite, estamos em sua casa. Sua pele fresca, recém saída do banho, ainda tem o cheiro puro que emana de si própria, sem outros perfumes. Sentado no braço da poltrona, seus longos cabelos molhados aguardam minhas mãos diligentes... Mais a frente, numa noite chuvosa, caminhamos pela rua a procura de um local para lanchar, tomar um refrigerante...

Uma bolinha brilhante salta sobre todas, dentro dela um casal de amigos caminha pelo parque. É fim de tarde e contra o sol que desce pela barra do horizonte, um rapaz decidido suspende, com facilidade, sua parceira, pela cintura... Mil luzes brilham no céu e o sol, talvez enciumado, esconde-se na barra do horizonte!

Sorrio admirando lembranças enevoadas pela fumaça de cigarros contínuos. Qual era mesmo aquela marca? Não sei, já faz tanto tempo, sei que jamais cheguei a ver outra pessoa que portasse um cigarro com tanta elegância.

A superfície fica colorida, tantas e tantas são as lembranças que se espalham. Algumas inconfessáveis, lembram momentos que jamais se repetirão em intensidade e sabor, outras falam de mãos nervosas arrastando os cabelos para trás. Todas lindas, brilhantes, queridas.

Amo minhas recordações e as recolho carinhosamente. Contemplando-as, mais uma entre centenas de outras vezes, fico pensando que outros caminhos poderíamos ter tomado: teria sido melhor ou pior? Ninguém jamais saberá.

Se é verdade que as paralelas se encontram no infinito, será que um dia nossos caminhos ainda vão se cruzar?

Alguém passa cantando:

(1 ...)E quando finjo que esqueço
Eu não esqueci nada...

E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais
E te perder de vista assim é ruim demais
E é por isso que atravesso o teu futuro
E faço das lembranças um lugar seguro...

por Thamar

1- Quem de Nós Dois - Ana Carolina

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Gerânios


Acostumara-se ao silêncio como quem se acostuma a uma doença crônica, progressiva, terminal. Um silêncio repleto de vozes e pensamentos, pulsações de tudo que poderia ter sido e não foi.

No começo sentira-se definhar como uma planta sem água, sem luz... Aos poucos decidira-se pela vida e suas raízes aprofundaram-se no solo em busca do precioso líquido. E quanto mais suas raízes desciam escavando o solo profundo, mais seus galhos fortaleciam-se em busca do sol.

Vivia de um quase nada, sustentava-se do sonho que lhe presenteava a lua a cada noite, gostas de orvalho vicejante na madrugada.

Um dia tocou a água escondida no solo profundo e assustou-se com a imensidão do azul do céu. Tudo, repentinamente, parecia apoteótico, festivo, enorme... Ressabiada, olhou em volta e o canteiro continuava estreito, silencioso, mas o jardim era enorme, embora jamais se houvesse apercebido.

Derramou-se preguiçosa pelos muros permitindo que a vida instalasse flores em seus galhos, que a raiz buscasse a água tão necessária e, faminta, recebeu a lua com seus raios de sonho e fantasia.

Aprendeu a ouvir os pássaros e cantou a canção da vida desenhando um bordado de fugaz felicidade!

mai006

Thamar


quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Segredos no Poço


Vocês já tiveram vontade de se descer no fundo do poço, de verdade, só pra saber o que tem lá dentro?

Mistérios encantam e atraem.

Mas, curiosidade mata também!

Quais os segredos que nos afastam?
Quais os mistérios da aproximação?
Tal como um poço, os sentimentos lá no fundo
são obscuros sob o reflexo da luz.
Caímos no afastamento, no medo da solidão.
E mais um dia vai indo embora.
Eu sento e espero e penso em você, mais uma vez.
Será que ainda vamos nos arrepender daquilo que não fizemos?
Fico pensando - qual o sentido do arrependimento?
Seriam coisas que ainda não fizemos?
Lições que ainda não aprendemos?
E quando o dia vai escurecendo, eu sento e espero, novamente.
Em qualquer lugar, lá estou eu... sorvendo você em memórias.
Tão doce, tão envolvente, arrepiando minha pele, novamente.
E mais um dia deita a luz nas sombras, levando a imagem do seu rosto,
pro fundo do poço.
Mais um ciclo termina/começa... e ainda não encontrei você.
Continuamos cheios de segredos
nos gestos, nas palavras, no brilho dos olhos.
Mas é quando você inclina a cabeça e escurece o sorriso no canto da boca que eu me pergunto - onde estão as respostas?
São coisas que sempre fazemos...
Lições que nunca esquecemos!
Misturamo-nos à poeira no por do sol
e nos recolhemos ao fundo do poço, novamente!



Elaine / março 2009

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Possessão



Liv, seu texto me fez lembrar...


Possuir ou deixar ir?





O amor que tu me tinhas
Era apenas o ter
Amor não existia
Existia apenas você

Você que me consumia
Absorvia meu querer
Queria que eu existisse
Apenas para você

O amor que tu sentias
Era apenas poder
Amor que me invadia
E sufocava meu querer

Você que me iludia
Não solidão do seu ter
Queria que só tu existisse
E afogava meu ser

Só você não percebia
Que não me podias manter
Prender pássaro ferido
É quere-lo para morrer.



Elaine / 1979

Eu Te Possuo


Como "eu te possuo" ? De onde você tirou tamanha asneira ? Se nem a mim eu própria possuo ? Pare com isso. Tento diariamente viver uma vida livre e ofereço uma liberdade que não nos aprisiona. Uma liberdade redentora de todas as amarras e preconceitos que me atingem veladamente. Não vivo para eles. Os ignoro com uma solenidade digna das mais respeitadas tribunas.

Não vejo as coisas, a vida como você, que parece entender que tudo existe em função do que você pensa e acredita, erroneamente. Existe um viver tão claro quanto aquelas nuvenzinhas ali, que mais parecem uma delicada renda tecida pelos anjos que cuidam de todos.

Você até pode pensar diferente de mim. É seu direito. Mas não seja torpe, não me aprisione, não me torne algo de sua posse que isso não nos faz bem. Antes, não tenha medo de amar, de ser livre, pois que eu estarei aqui e você logo ali, ao alcance do meu abraço e de toda uma sensação da amplidão do bom sentir.

Se quiser ir, vá. Mas saiba que estarei por perto, mesmo de longe, olhando para seus movimentos ao redor de si mesmo, torcendo para que você consiga sair desse auto exílio onde só o controle furioso sobre o outro lhe parece ser o único caminho. Não é. Essa trilha de sua escolha o levará até um destino incerto, escuro e que o isolará de todos.

Quem sabe mesmo você não precise andar por esse caminho obscuro e ir deixando na trilha todas as suas mazelas, seus rancores e suas mágoas. Quem sabe não é necessário purgar todas essas coisas que nem você deve saber que guarda dentro de si ? Livre-se delas. Dispa-se de você mesmo, sem medos, sem apego àquilo que já não mais lhe serve, não mais lhe acrescenta um sorriso no rosto e nem a sensação de paz tão necessária àqueles que caminham livres pelos jardins cobertos de orquídeas que você nem percebe enquanto caminha. Não vê porque está ocupado demais pensando em como você fará para me aprisionar mais ainda. Esqueça. Eu sou livre, mesmo encarcerada em seus sentimentos. Me livro dos seus porque preciso preservar os meus. Eles, os meus sentimentos, são livres, mesmo que para ainda te amar, até que você destrua, tome posse disso também. Aí, será minha vez de correr pelo meu caminho e me livrar dessa mágoa, dessa dor que você me causa, até que eu consiga recuperar esse nosso sentir. Ou não. Tome posse, sim, mas do que é seu, da sua liberdade. Deixe-me livre também.
Lívia Jul/2009

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Medo ? Não. Beleza.


Impávido colosso. E pronto p me devorar se eu não o decifrar. Pois sim. Ele que se preocupe comigo. Dele, só quero admirar a beleza e lhe afagar o pelo.

Perdição


Perdição do quê ? De quem ? De ninguem. Quem disse que quero me achar nessa grande e caótica bagunça que é viver dentro desse imenso aquário em que fui lançada com meus amigos peixes. AH, e com muitos tubarões à volta. Coisa mais sem graça, eles. Ok, ok, existem até alguns peixinhos legais, mas vamos combinar, as piranhas estão à solta e querendo morder, trucidar todo e qualquer peixinho do bem. É só a gente se descuidar e tem alguma delas nas minhas nadadeiras. Bah. Bando de peixes aproveitadores, sempre querendo se locupletar de meu cardume (do bem e da paz). Ok, divido isso com eles, desde que não me arranquem os pedaços, pois que aquilo q tenho não é meu, serve p todos.
Á propósito ? O que tenho de meu ? Nada. Só o que minhas mãos foram treinadas para fazer, o que aprendi na academia e que está armazenado em meu cérebro para ser empregado quando necessário.
Ah, tem algo muito importante que tenho, pelo menos p mim é. O que é ? É o q sinto. Nem os tubarões podem me tirar isso. Não entrego e eles nem percebem essas sutilezas do sentir, como se fossem delicadas correntes marítimas, ou uma barreira de corais com suas tão diversificadas formas de vida e de cores.
Sim. Sinto cores, consigo até ouví-las. Estranho isso ? Não é. Sinto cores nas plantas, na própria terra e o som que elas emitem, com sua graça quase infantil, do matizes mais pueris que me fazem ver o singelo da coisas, mesmo q das mais comuns, seja na praia, seja na terra, onde agora vivo, meio sem cores, meio perdida ...

Sobre Relacionamentos

Eu e Fa estávamos conversando sobre idas e vindas. As vezes no meio dos delírios,
chegamos a alguma conclusão!
Se é útil ou não...
deixa pra lá!
Interessante como os casais se separam facilmente hoje em dia, mas a verdade é difícil se separar, é horrível, dói muito, ficamos tristes, afinal, ninguém quer terminar um relacionamento! Temos sempre aquela intenção de sermos um casal eterno...
Mas depois tudo melhora e percebemos que tudo acontece para o nosso bem.

Depois sempre encontramos alguém que nos diz que podemos ser felizes novamente. E lá no fundo, nós sabemos que podemos, mas sempre precisamos ouvir isso de outra pessoa, por que será? Auto estima em baixa? Amor próprio deprimido? Não importa, quermos que ele diga "posso te fazer feliz".

Somos todos grandes solitários nessa vida internética. Sabe, acredito que a humanidade está sofrendo de solidão coletiva. A maior parte das depressões são devido a falta de um relacionamento estável. Essa história de globalização, ficar, relacionamento aberto, está deixando as pessoas sem pé. Isso traz insegurança, cinismo e acaba com os sonhos. As famílias estão sendo transformadas, os relacionamentos duram pouco e tudo em nome de um sexo fácil e emoções "rasas" - ninguém quer se aprofundar em nada e acabamos no fim da noite em casa sozinhos, ou acordamos com a cama enorme, sem um bom dia, na linha de partida.

O sentimento do medo nos invade; medo de apaixonar, de amar, de se entregar. Isto promove desconfiança e acabamos deixando de lado a autenticidade, nos embolamos nos outros e esquecemos do que queremos de verdade.

Muitas vezes aquele que encontramos é bom mas não acreditamos e ele também não, achando que somos todas iguais! Tudo por uma questão de resistência, de um insconsciente coletivo que nos diz que nada vai dar certo!

Só queremos ser felizes! Fazer o outro feliz!
E sabemos que podemos!
Podemos ser ótimas companhias um pro outro. Isto nos faz bem!
Podemos até achar que isso é impossível, que não existe.
Mas no fundo sabemos que é tudo uma questão de confiança, segurança, deixar o coração nos guiar.

Minha amiga disse que precisamos pensar nossa vida com metas e muitas vezes só conseguimos atrelar nossas metas a alguém. Necessitamos de um vínculo. Não dá para ser feliz sem ele.

Vínculos... é assim que somos feitos, de vínculos, de sentimentos que nos unem às pessoas... fácil!

Elaine
Maio 2008

Alice no pais das Maravilhas


Ei, Irmã, a proposito de subir em árvores, lembrei de ter, outro dia, escrito o seguinte:


A fruta tocou a língua, e o sabor da infância disparou imagens, saudades, aromas... Manga rosa, manga doce, manga dos tempos distantes, das tardes amenas com sabor de amor, amor de rosa-mãe.

Manga chupada no pé, com casca e tudo. Manga descascada, cortada em fatias douradas, dançando no prato sobre a janela da fazenda e minha avó com seu sorriso de paz, seus cabelos brancos, seu vestido preto e o imenso amor, amor-manga, embalando o tempo.

“Quem é você?” A pergunta feita pela lagarta a Alice ressoa no tempo e volta no vento cheia dos odores daquelas tardes perfumadas pelo cheiro do campo, onde alfinins dourados chegavam na ponta dos dedos das fadas.

Alice no país das maravilhas, protegida pelo amor das Fadas, elfos e povo pequeno, digeriu as transformações sofridas e encontros inusitados com a perda e a vida real, os círculos sociais próximos, nunca tão próximos que fossem compreensíveis, a escola, as atividades cotidianas. Suas respostas sempre erradas, sucessivamente perfumadas pelas mangas-rosa suculentas, oliveiras e pitangas, lírios do campo e rodas ao luar.

O mês de maio e os terços sob a lua prata, os terreiros de areia branca e o atabaque soando ao fundo, muito longe, na terra de homens negros, turbantes brilhantes, do outro lado do mundo, um mundo distante chamado áfrica.

O livro de orações e os retratos 3X4 guardados dentro, pedindo especial proteção. A lua entrando pela telha de vidro, o rádio pequeno, azul, de pilha, tocando até o sono chegar. Casa de farinha de brinquedo, travesseiros rodando nos pino da cama e a fada voando de flor em flor, cantando um acalanto, palavras de amor.

Alice não mais no país das maravilhas, Alice no mundo real e a fada, assim como a Avalon de Morgana, sumindo entre a neblina. Seus passos a cada dia mais lentos, confundindo-se na nevoa do tempo.

Minha fada pequenina, hoje minha menina, há tempos atrás minha heroína.

Minha fada se dissolvendo nas brumas e eu a cada dia menos eu e mais Alice no país dos espelhos não tenho sua ajuda para correr da Rainha que grita: cortem-lhe a cabeça, cortem-lhe a cabeça...

.

por Thamar

domingo, 2 de agosto de 2009

Ondas na Areia


Oi irmã, um dia, conversando com uma amigo muito especial, chegamos a essa "oração".
Ah, mangas são filosóficas!


Parte do tempo coisas ruins nos acontecem e dizemos: "não preciso disso" - talvez precisemos! Fico pensando, qual foi o trato que fiz antes de vi para essa vida? Vai ver esse é o cursinho para ser anjo - se despojar de todos, familia, amigos, amantes. Sentir tudo muito intensamente pra depois ajudar os outros e sentir apenas paz.

Impressionante como perdemos tempo com coisas pequenas, como damos valor a coisas sem importância que depois de três dias, três meses, anos, perdem o sentido e são esquecidas e fazemos uma tempestade por nada.

Jogamos, as vezes, uma vida inteira fora, por pura estupidez, orgulho, ciúme, vaidade, obstinação. O ser humano é estupidamente ridículo em sua simplicidade. Ele vive achando que é melhor do que o outro, que pode mais, que é mais inteligente, que seus problemas sao os únicos. É cheio de lixo, de sequelas que faz questão de carregar para que os outros tenham pena dele e isso dá status.

A carencia é tamanha que vale qualquer coisa para reclamar, chamar atenção para sa auto-piedade. A insegurança é tanta que encontra culpado e desculpas em qualquer lugar onde possa aliviar sua culpa. O perdão raramente existe. A compaixão é ignorada. O amor é isolado numa cama. Isso porque esses sentimentos divinos, enfraquecem o poder, a imagem de superioridade. Ninguém quer parecer fraco por amar, estender a mão ao próximo, sorrir. E a imbecilidade continua porque aniquila a espiritualidade e acaba-se involuindo.

Perde-se a fé, a esperança no outro, a proximidade do coração. Esquecemos nossa verdadeira missão e ridicularizamos aquele que não se afasta da luz. E aí a inveja aparece; você não suporta e então tenta aniquilá-lo.

Se a inteligência espiritual prevalecesse, o ser humano seria infinitamente mais feliz. Saberia que só nas coisas mais simples se pode encontrar felicidade. Um sorriso, um abraço, na chuva, no sol, no vento, em um abraço, em qualquer lugar. Quem sabe um dia consigamos entender tudo isso. "A vida nos é dada para as grandes coisas". Acredito que grandes coisas são feitas exclusivamente de amor.
E tudo que é feito com amor, é perfeito. Chegamos perto de Deus, entendemos o coração do próximo e damos as mãos às crianças. No fundo, se retirássemos essa lama social da nossa alma, veríamos que tudo é infinitamente simples. Meu Deus, como é simples!Pior é ser condenado por dar carinho, julgado por tratar bem, crucificado por amar. Realmente, "perdoe-os Pai, pois eles não sabem o que fazem" - e pelo jeito, não vão saber nunca. Infelizmente a maioria cresce através da dor. Quando na verdade deveriam crescer através do amor!

Quando a serenidade nos alcança, é como se estivéssemos sentados na areia da praia, contemplando o mar. Essa é a recompensa. Só que para chegarmos até ali, temos que encher os pés de bolhas e as mãos de calos. Só assim conseguiremos sentir a paz do momento e compreender que o mundo, em sua maravilhosa roda perfeita, é infinito em sua bondade. Aprendemos todos os dias com alguma coisa boba, simples. Só não percebemos.

Aprendemos durante toda a vida com as pessoas que passam por nós, só que não valorizamos nem o aprendizado, nem a pessoa. Só depois que perdemos ambos. Faz parte da estupidez que avassala nossa alma material. Só quando nos livrarmos desse corpo limitado é que vamos entender a dimensão de cada ser humano. Por enquanto, vamos vagando na multidão, mendigando atenção e reclamando da vida.

Deveríamos rezar todos os dias - Pai, envia-nos um raiozinho da sua divina e infinita luz para que possamos caminhar pelo seu caminho com sabedoria e um bom coração. Enche-me o coração de gratidão pelas bençãos que recebo todos os dias. Fortalece-me a alma para que eu possa perdoar aqueles pobres de espirito que me invejam por me julgarem superior a eles.Dá-me saúde, para que eu possa ajudar meu irmão e minha irmã quando precisarem. Dá-me paz para que eu possa entender e sossegar meu coração diante das injustiças que cometem contra mim e contra aqueles a quem amo. Na maioria das vezes são aqueles que amo que são injustos comigo! E por fim, Senhor meu Deus, dá-me amor, muito, infinito amor, para que eu possa fazer de mim um eterno instrumento de luz e merecer descansar no seu colo depois de uma vida tão boa. A vida é boa sim, simples, perfeita. Nós é que não sabemos vive-la. Amém

Elaine
Agosto 2009

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Subir em Árvores

Tivemos um infância maravilhosa, não?
Olho meus sobrinhos agora e fico pensando... onde vou encontrar uma árvore?
Outro dia recebi um e-mail perguntando como eu tinha sobrevivido se nasci antes de 1990? Pois antigamente não existia obrigatoriedade para cintos de segurança, fiscalização de brinquedos, bebidas, enfim, essa parafernália industrial, consumista e cada vez mais paranóica que é o nosso mundo. Resposta: sobrevivi porque subi em árvores!

Você deve estar achando essa resposta sem sentido, mas deixe-me explicar.

Sobrevivemos (e vamos pensar aqui no plural - eu, meus irmãos, amigos, etc.) porque corríamos, andávamos de bicicleta, montávamos nossos próprios brinquedos, criávamos personagens no nosso mundo real e éramos destemidos.

Nossos anjos da guarda viviam realmente ocupados enquanto o bando todo desembestava ladeira abaixo para se jogar de bico no primeiro riacho que encontrasse. Assim vivemos nossa infância sem medo de ladrões, de sequestros relãmpagos, de tarados e crack - sem computador, fast-food e celulares. Colesterol, cancer e stress -que é isso???

Subir em árvores era o máximo. Simplesmente trepávamos nos galhos e ficávamos lá em cima, curtindo a vista e esperando o tempo passar. E trepar ainda era escalar!

Aqueles que não conseguiam ficavam em baixo gritando, incentivando, xingando, enquanto lá em cima nós achávamos que o mundo era nosso... e era mesmo!

Como seria hoje, subir em uma árvore?

Bom, considerando que já nem se enontram árvores para subir, se isso acontecer vai ser um grande acontecimento. Vai ter provavelmene um adulto (lider) gritando - desce! Isso é perigoso! Você quer se matar menina! Melhor jogar video game.

Sem contar que as árvores não são fiscalizadas pelo Inmetro para saber se podem ser escaladas ou não.

E não vamos esquecer o planejamento - Primeiro precisamos conhecer a árvore, sua origem, idade, se oferece segurança ou não. Vamos precisar de uma mochila com milhões de ferramentas inúteis, uma caixa de primeiro socorros, cordas, escadas, chamar os bombeiros, fazer uma inscrição na prefeitura, tirar licença no Ibama, chamar a imprensa.

Depois vem a escalada, tudo muito seguro, dentro dos padrões de segurança, assistido pela família, seguindo as normas técnicas, com aquelas palavrinhas incentivadoras... bota o pé aí, minha filha! Aí não, bobona! Segura mais em cima, cabeça dura!

Enquanto a criança sobe, sufocada pela preocupação sonora, não aproveita os encantos da natureza, passa por uma formiga e não vê, não observa os detalhes do tronco, não assimila a anatomia das folhas, não percebe o ninho de pássaros, não fantasia, não comunga com seu próprio corpo.

Chegando lá em cima recebe uma saraivada de aplausos nervosos e conselhos gritados - segura firme! Não vá cair! Senta-se e olha para baixo preocupada com a descida. Nem percebe o horizonte, nem o que está a sua volta.

Enquanto tenta equilibrar-se no galho alguém lá em baixo preocupa-se com sua descida. Infelizmente é assim que se vive hoje. Perde-se tempo planejando demais, preocupando-se demasiadamente com estatísticas e o tempo se esvai e leva a empolgação, a euforia, a alegria do momento.

No caminho da subida não prestam atenção aos detalhes importantes. E antes de chegarem ao final querem desistir. Incorporam esse comportamento nas relações pessoais. São impessoais, irresponsáveis, superficiais e desleais. Não sabem o que é subir em árvoes e descobrir as joaninhas.

Para aqueles que subiram em árvores como eu, lembrem-se da felicidade genuína em viver a escalada em todos os momentos.

Nos pequenos arranhões cobertos com band-aid. Na sensação do vento no rosto, da aspereza dos galhos nos braços, nas pernas, a liberdade de ser!

Na confiança dos amigos e nossa volta, rindo e apontando a borboleta noutro galho.
E na subida, quando alguém na frente sempre gritava, destemidamente, encorajando: "Quem chegar por último é mulher o padre!"

E a risada era nossa oração!

Elaine
Julho 2009