sexta-feira, 31 de julho de 2009

Subir em Árvores

Tivemos um infância maravilhosa, não?
Olho meus sobrinhos agora e fico pensando... onde vou encontrar uma árvore?
Outro dia recebi um e-mail perguntando como eu tinha sobrevivido se nasci antes de 1990? Pois antigamente não existia obrigatoriedade para cintos de segurança, fiscalização de brinquedos, bebidas, enfim, essa parafernália industrial, consumista e cada vez mais paranóica que é o nosso mundo. Resposta: sobrevivi porque subi em árvores!

Você deve estar achando essa resposta sem sentido, mas deixe-me explicar.

Sobrevivemos (e vamos pensar aqui no plural - eu, meus irmãos, amigos, etc.) porque corríamos, andávamos de bicicleta, montávamos nossos próprios brinquedos, criávamos personagens no nosso mundo real e éramos destemidos.

Nossos anjos da guarda viviam realmente ocupados enquanto o bando todo desembestava ladeira abaixo para se jogar de bico no primeiro riacho que encontrasse. Assim vivemos nossa infância sem medo de ladrões, de sequestros relãmpagos, de tarados e crack - sem computador, fast-food e celulares. Colesterol, cancer e stress -que é isso???

Subir em árvores era o máximo. Simplesmente trepávamos nos galhos e ficávamos lá em cima, curtindo a vista e esperando o tempo passar. E trepar ainda era escalar!

Aqueles que não conseguiam ficavam em baixo gritando, incentivando, xingando, enquanto lá em cima nós achávamos que o mundo era nosso... e era mesmo!

Como seria hoje, subir em uma árvore?

Bom, considerando que já nem se enontram árvores para subir, se isso acontecer vai ser um grande acontecimento. Vai ter provavelmene um adulto (lider) gritando - desce! Isso é perigoso! Você quer se matar menina! Melhor jogar video game.

Sem contar que as árvores não são fiscalizadas pelo Inmetro para saber se podem ser escaladas ou não.

E não vamos esquecer o planejamento - Primeiro precisamos conhecer a árvore, sua origem, idade, se oferece segurança ou não. Vamos precisar de uma mochila com milhões de ferramentas inúteis, uma caixa de primeiro socorros, cordas, escadas, chamar os bombeiros, fazer uma inscrição na prefeitura, tirar licença no Ibama, chamar a imprensa.

Depois vem a escalada, tudo muito seguro, dentro dos padrões de segurança, assistido pela família, seguindo as normas técnicas, com aquelas palavrinhas incentivadoras... bota o pé aí, minha filha! Aí não, bobona! Segura mais em cima, cabeça dura!

Enquanto a criança sobe, sufocada pela preocupação sonora, não aproveita os encantos da natureza, passa por uma formiga e não vê, não observa os detalhes do tronco, não assimila a anatomia das folhas, não percebe o ninho de pássaros, não fantasia, não comunga com seu próprio corpo.

Chegando lá em cima recebe uma saraivada de aplausos nervosos e conselhos gritados - segura firme! Não vá cair! Senta-se e olha para baixo preocupada com a descida. Nem percebe o horizonte, nem o que está a sua volta.

Enquanto tenta equilibrar-se no galho alguém lá em baixo preocupa-se com sua descida. Infelizmente é assim que se vive hoje. Perde-se tempo planejando demais, preocupando-se demasiadamente com estatísticas e o tempo se esvai e leva a empolgação, a euforia, a alegria do momento.

No caminho da subida não prestam atenção aos detalhes importantes. E antes de chegarem ao final querem desistir. Incorporam esse comportamento nas relações pessoais. São impessoais, irresponsáveis, superficiais e desleais. Não sabem o que é subir em árvoes e descobrir as joaninhas.

Para aqueles que subiram em árvores como eu, lembrem-se da felicidade genuína em viver a escalada em todos os momentos.

Nos pequenos arranhões cobertos com band-aid. Na sensação do vento no rosto, da aspereza dos galhos nos braços, nas pernas, a liberdade de ser!

Na confiança dos amigos e nossa volta, rindo e apontando a borboleta noutro galho.
E na subida, quando alguém na frente sempre gritava, destemidamente, encorajando: "Quem chegar por último é mulher o padre!"

E a risada era nossa oração!

Elaine
Julho 2009

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Portais


08 jul009

Penso que escrever cartas é abrir janelas para que nos contemplem a vida borbulhante em pensamentos. Receber cartas é debruçar-se sobre o parapeito da janela alheia a pesquisar os movimentos dessa casa interna chamada alma.

Engana-nos o senso comum ao chamar de envelope o invólucro que envolve as cartas/janelas. São na verdade as folhas que abrimos, par-em-par, após retirarmos as travas que alguns cortam com requintada elegância.

Janelas mágicas que perduram através dos tempos se as soubermos conservar. São portais encantados para a terra do nunca onde permanecemos sempre jovens , felizes, tristes ou apaixonados.

Guardo meus portais elegantemente organizados, amarrados com uma fita-cetim-rosa-sol, em uma requintada caixa chamada memória. Lá existem portais que me conduzem à infância e seus contos de fadas, à adolescência com o primeiro beijo, eterno amor, primeiro emprego, primeiro filho...

Sento-me, hoje, ao pôr-do-sol, caixa ao colo, puxo uma carta e vejo você: tão sério, tão elegante, tão fino e eu tão menina: com medo, vontade de correr.

Uma outra carta é a mais eloqüente de todas, embora para muitas pessoas nada signifique. Um folheto, com uma rosa vermelha como ilustração. Uma mensagem dizendo confie em Deus, ponha nele todos os seus problemas!

Para a maioria das pessoas um simples folheto, para mim a mais eloqüente das cartas. Um conteúdo que jamais esqueci: aceitação, acolhimento, sabedoria. Amor no melhor estilo das práticas Paulinas.

Eu poderia ouvir:

“Quando tá escuro
E ninguém te ouve
Quando chega a noite
E você pode chorar...

Há uma luz no túnel
Dos desesperados
Há um cais de porto
Prá quem precisa chegar...”



Na próxima carta, o arcano XX mostra o julgamento: Duas mulheres disputam um homem entre si. Não podendo jogar dados sobre suas vestes, usam uma menina como cabo de guerra. Porque a menina? Pequena menina assustada, sem entender nada...

Entendo as mulheres. Entendo uma das mulheres. Seu medo escondido por trás de todas as suas palavras. A que não entendo, receio. Sou avessa, tenho medo. Já não menina, nem assustada, mudo de calçada ao vê-la passar e suavemente, como quem não quer nada, olho para os lados, sorrio ingênua e sigo em frente.

“Non, rien de rien,
non, je ne regrette rien.
Ni le bien qu'on m'a fait,
ni le mal, tout ça m'est bien égal.

Non, rien de rien,
non, je ne regrette rien,
C'est payé, balayé, oublié,
je me fous du passé.”

Ponho meus braços em torno do seu pescoço, beijo-lhe a boca quente, doce e, certamente,

“Non, rien de rien,
non, je ne regrette rien.
Car ma vie, car mes joies,
Pour aujourd'hui
ça commence avec toi”

- Oi, não sei se você ainda se lembra de mim, mas é

Uma noite longa
Pr'uma vida curta
Mas já não me importa
Basta poder te ajudar
...

E são tantas marcas
Que já fazem parte
Do que eu sou agora
Mas ainda sei me virar...

- Claro, vamos conversar?

Eu tô na Lanterna
Dos Afogados
Eu tô te esperando
Vê se não vai demorar...

Uma noite longa
Pr'uma vida curta
Mas já não me importa
Basta poder te ajudar...”

- “Entre por essa porta agora
E diga que me adora
Você tem meia hora
Prá mudar a minha vida
Vem, vambora
Que o que você demora
É o que o tempo leva..”

Para escrever as novas cartas que ficarão como estas, amarradas em fitas-cetim-rosa-sol, guardadas nas caixas de musica da lembrança, portais mágicos de um outro tempo, tempo de janelas e beirais.

Insanidade? Porque não? de médicos e loucos todos temos um pouco!

Escreva-me, escreva-me sem demora porque o tempo que você demora é o que o tempo leva para diluir-se em névoas...

terça-feira, 7 de julho de 2009

Inquietações


Agora não responderei à sua carta, mas apenas algumas letrinhas aqui dispostas, como se fossem simplesmente jogadas ao vento para que qualquer um pudesse ler, sem a preocupação de que estejam bem escritas e sem nada que me pareça ordinário. Segue a senha do digitar o que surge em um cérebro (atormentado por uma sensibilidade irritante, que beira à loucura, à insanidade por estar partilhando um mundo comum) inquieto. Inquietação que perturba a forma de pensar e quase enlouquece quando precisa sentir algo. Diga-me, para que temos de sentir ? Por que os outros percebem, tentam descobrir o que sentimos ? São invasores do sentir alheio que tantas vezes é protegido por muralhas que deveriam ser indevassáveis aos olhos outros que não os meus e os teus.
Olhos ? Não precisam me ver. Não preciso ser ...

sábado, 4 de julho de 2009

Parador,



Por Thamar

Quando eu era adolescente guardava todas as minhas cartas, cuidadosamente, numa bolsa jeans que, naquela época, se chamava Lee. Separava-as por remetente, rigorosamente em ordem cronológica de recebimento. Amarradas por uma liga, todas lá.

Quando casei, cheguei em casa um dia e encontrei minhas cartas rasgadas, jogadas no lixo como se não fossem pedaços da minha vida. Deveria ter entendido ali que quem é capaz de destroçar cartas alheias, como simples pedaços de papel, é capaz de destroçar vidas também e ter partido naquele exato momento...Não fiz, passei a não mais escrever cartas, bilhetes ou qualquer outra coisa que pudesse ser destruído por mãos que não fossem as minhas.

Anos mais tarde, filhos crescidos e criados, casamento acabado e outro recomeçado, passaram, as minhas cartas, a serem guardadas na caixa dourada chamada “Outlook”, até que, novamente, mãos profanas violaram o recinto sagrado onde depositava os fragmentos da minha vida.

Desisto de me resguardar (do latim proteger a propriedade) e lanço o desafio: guardarei, doravante, minhas cartas na internet, para que possam ler e reler e viajar nas asas de Ìcaro, imaginando o que se passar por aqui, pela minha vida..