domingo, 18 de abril de 2010

Menino-homem ou Sonhos da Madrugada

Sobre o leito a luz pálida da madrugada se derrama.

Nostalgicamente suave, ilumina seu dorso nu. Menino-homem, beleza intrigante que tanto me fascina. A pele branca se destaca nos lençóis, evoca lembranças,tempos de antes, talvez de nunca mais.

As mãos

deslizam suaves, movimentos contidos, profiláticos. Derramam calma, massageiam na tentativa de aliviar a dor. Espalham ungüento, tentam espalhar amor enquanto unhas vermelhas passeiam, contrastam, emanam um sentimento que sufoca na garganta mas explode nos olhos, no mover-se contido pelo medo que se rompa o encanto do tênue momento.

Um

toque pode substituir mil palavras e teu dorso sob minhas mãos – amordaçadas pelos limites que impuseste a elas – são um conforto, meu dicionário, meu púlpito, onde discurso saudades e carinho.

Tua

cabeça no meu colo, teus cachos semi-espalhados no travesseiro e a idéia de um querubim de Michelangelo, a vontade é de te estreitar no colo e não mais te deixar partir.

Teu

corpo em carrara esculpido, exemplar perfeito de uma anatomia privilegiada e meus olhos que correm adivinhando o que não posso tocar...

Teus

olhos fechados, teus cílios longos e que sonhos será que estão a sonhar?

Meus

dedos entrelaçados nas voltas dos teus cabelos, meus sonhos perdidos nos seus fios , meus sonhos tentando se infiltrar e teu pulo sobressaltado, teu abraço cansado e a noite que nos cobre num sono quase sem sonhos.

Teu

abraço reconfortante a conciliar-me o sono, tua cabeça no meu colo, final de tarde e a luz vermelha entrando pela mesma janela. Tua negativa veemente afirma teu esquecimento, mas meu sonho é esperança: como o sol, renasce e morre a cada dia!

Carceres



Li um texto sobre os embarcados, pelos navios e mares do mundo. Parei para pensar no estado de confinamento, neste caso, por uma questão de trabalho, e fiquei a pensar o quanto somos livres ou o tanto que somos encarcerados, mesmo em terra firme e livre de espaços limitados.Como é viver no cárcere da vida que temos, cheia de horários, trabalhos muitas vezes desgastantes e que chegam até a deprimir o mais alegre dos homens que trabalham com as mazelas alheias.O cárcere em que vive o juiz, que precisa mandar prender aquele jovem que mal sabe da vida, mas que já descobriu um caminho estranho, da violência, da morte. Este também vive em seu cárcere particular, pois que iniciou uma trilha da qual dificilmente conseguirá desistir, talvez ao morrer, em algum confronto com policiais e justamente para não ser preso e encarcerado em alguma prisão onde sua vida também poderá ser ceifada se lá estiverem outros encarcerados e seus inimigos declarados.Também pensei no cárcere físico, naquele em que o cristão em tudo pensa, em tudo percebe que o cérebro é capaz de urdir os mais complexos pensamentos, mas que é incapaz de mover um só músculo, sequer pode falar e expressar o que sente. Talvez seja esse o mais terrível dos confinamentos. Todos mexem em você, no seu corpo, que não reage, só cumpre funções vitais que você não controla, isso quando não precisa que uma máquina ou dispositivo qualquer que execute essas funções. Aí você fica dependente da energia elétrica que movimenta essas máquinas. Melhor morrer? Talvez. Mas você nem consegue pegar nada para dar fim à própria vida. É inexorável a vida até que suas funções vitais iniciem um processo macabro de autodestruição enquanto você observa a degeneração de sua própria vida. Cárcere maldito, esse.Outros cárceres interessantes são àqueles ligados às emoções. Nossa! Esse também é cruel. Esse tipo de confinamento nos prende a emoções estranhas, que não queremos mais sentir, mas que das quais não conseguimos nos livrar. Quais seriam elas? Cada um tem as suas, bem delimitadas ou não. Mas elas existem, e nos fazem sofrer. Cárceres que muitas vezes são erguidos por cada um, como você querer viver algo e não se permitir, querer alguém e esse alguém não quiser ser seu, querer ir para um lugar e isso não ser possível. Isso é um impedimento e, se assim o é, não deixa de ser um cárcere, que priva de se andar pelo caminho desejado, pela emoção a ser vivida.Talvez a expressão cárcere, uma prisão institucional, não se enquadre no escrito aqui. Mas faz diferença se há um confinamento institucional, com a cela e suas grades e as próprias “prisões” que visitamos dentro de nós mesmos? Nenhuma. Todas prendem.Todavia, só por alguns momentos, diária ou constantemente, nossos cárceres são destruídos, desarmados. Isso acontece quando você consegue parar e perceber que determinados acontecimentos são únicos e especiais em sua vida. E quando isso acontece? Quando é possível “libertar” a mente, o pensamento e ver o que está à volta, mesmo que isso nos faça chorar, do nada, de emoção por estar livre ali, ao ver o mar, o pôr do sol, a lua linda (em qualquer das suas fases), o folguedo infantil e barulhento das crianças, aquele PPS lindo com aquela música que faz você lembrar de algo que foi muito bom em sua vida, o vinho à beira da lareira que faz um show com suas labaredas só para você. Ufa, tantos momentos livres, tanto a comemorar os rasgos de liberdade que a vida nos dá, e que nos permitimos viver.Sim, todos temos nossos cárceres, e creio que se não os tivéssemos, seríamos nem tanto livres, mas muito libertinos, rsrsr, o que também seria complicado. Então, aproveitemos nossos cárceres e nossa liberdade.

Que cada um nos torne melhores.

Lívia

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Sobre morrer e outras coisas mais...

Hoje é segunda-feira gorda, como se dizia antigamente, muito antigamente quando eu era criança, segunda de carnaval, de folia e alegria, puro descompromisso e o telefone me acorda com a noticia da morte de um amigo...

Não era um amigo pessoal, intimo, de infância, não...Justiça seja feita, era amigo daquele que eu havia escolhido como companheiro, e eu mesma o vi por duas ou três vezes no máximo, mas foi o suficiente para gostar dele, sentir sua alma sensível, seu bom caráter, sua aura iluminada!

A noticia me pegou pelo calcanhar , me derrubou no chão, me puxou pelos cabelos e me lembrou o Pedro Bial – num excelente texto - quando diz que a morte é uma piada de mal gosto, muito mal gosto! Bial tem toda a razão, morrer não tem graça alguma, principalmente para quem fica!

E os planos do cara? Ele tinha acabado de passar em primeiro lugar num concurso público, tinha um filhinho, amores, sonhos, projetos e aí fica tudo ali , empoeirando e a vida vai seguindo sem pressa e nem comprometimento, mas quem conhecia ele, que já o ouviu tocar ,falar, olhou dentro dos seus olhos, ou abraçou seu corpo carinhosamente – imagino que isso tenha acontecido algumas vezes – fica aqui sem poder repetir, sem ter como dizer tchau, sem adeus, sem ponto final. Que piada mais sem graça!

Sem pé nem cabeça, a morte de alguém saudável, jovem, cheio de planos, deveria nos fazer refletir sobre a urgência de dizer e demonstrar coisas como “eu te amo”, “eu gosto de você”, “você é importante para mim”. Piadas como essas deveriam nos levar a pensa que a vida é fugaz e acaba a qualquer momento sem que tenhamos tempo ou aviso prévio para finalizar todas as coisas que deixamos para fazer um dia, quando for possível, quando eu tiver certeza, quando chegar a hora.

Eu que já perdi duas pessoas muito importantes assim, no estalar dos dedos, sei o quanto dói um dia acordar e descobrir que não haverá outra chance de conversar, outro beijo, outro abraço, uma possibilidade de dizer apenas adeu...

A certeza do fim peremptório, não o fim humano que pode a qualquer momento ser reduzido a um novo começo, a uma amizade, a algo suave e não doloroso, o fim mesmo, sem outra chance, sem oportunidade qualquer, dói demais e não some nunca da nossa alma, fica lá e, ao menos uma vez ao ano, de vez em quando volta e lhe arranha com a certeza de que poderia ter sido diferente, ao menos um pouco diferente.

Que piada mais sem graça para uma segunda-feira de carnaval!